Mais-valia em Marx.
A mais-valia é o conceito central de toda a teoria econômica de Karl Marx. Ele a desenvolveu para explicar a origem do lucro no sistema capitalista de uma forma que revelasse a exploração inerente a esse sistema.
Em termos simples, a mais-valia é o valor novo criado pelo trabalhador durante a sua jornada de trabalho que excede o valor de sua própria força de trabalho e que é apropriado gratuitamente pelo capitalista.
1. Os Fundamentos: A Teoria do Valor-Trabalho
Para entender a mais-valia, é preciso primeiro entender a premissa na qual Marx se baseia, herdada dos economistas clássicos (como Adam Smith e David Ricardo):
O Valor de uma Mercadoria: O valor de uma mercadoria é determinado pela quantidade de trabalho socialmente necessário para produzi-la. Quanto mais tempo e esforço forem necessários, mais valor a mercadoria terá.
A Força de Trabalho como Mercadoria: No capitalismo, o trabalhador não vende o seu trabalho, mas sim a sua força de trabalho (sua capacidade de trabalhar por um determinado tempo – um dia, uma hora). Essa força de trabalho também é uma mercadoria, e seu valor é determinado pelo tempo de trabalho necessário para reproduzi-la (ou seja, o custo dos meios de subsistência – comida, moradia, vestuário – que mantêm o trabalhador e sua família vivos).
2. A "Mágica" da Exploração: Como a Mais-Valia é Gerada
O processo de geração da mais-valia ocorre porque o valor que o trabalhador cria é maior do que o valor que ele recebe.
Exemplo:
1. O Valor da Força de Trabalho:
Suponha que um trabalhador precise de R$ 80,00 por dia para se sustentar (comida, aluguel, etc.). Esse é o valor de sua força de trabalho.
O capitalista paga esse valor ao trabalhador na forma de salário. Digamos que a jornada de trabalho seja de 8 horas.
2. O Tempo de Trabalho Necessário:
Se em 4 horas de trabalho o trabalhador consegue produzir um valor equivalente ao seu salário (R$ 80,00), essas 4 horas são o "trabalho necessário". É o tempo que ele trabalha para "pagar o seu próprio custo".
3. O Tempo de Trabalho Excedente e a Mais-Valia:
No entanto, o capitalista contrata o trabalhador por 8 horas, não por 4.
Nas 4 horas restantes (o "trabalho excedente"), o trabalhador continua a produzir valor. Digamos que ele produza mais R$ 80,00 de valor.
Esse valor excedente de R$ 80,00 criado pelo trabalhador, pelo qual ele não é remunerado, é a MAIS-VALIA.
Resumo do Exemplo:
> Jornada de trabalho: 8 horas.
> Trabalho Necessário (cria o valor do salário): 4 horas = R$ 80,00 (salário pago).
> Trabalho Excedente (cria a mais-valia): 4 horas = R$ 80,00 (lucro do capitalista).
> O capitalista apropria-se dos R$ 80,00 de mais-valia sem pagar nada por eles.
É esse mecanismo que Marx identifica como a base da exploração capitalista. A relação parece justa na superfície (um dia de trabalho por um dia de salário), mas esconde o fato de que o trabalhador está trabalhando de graça por uma parte do seu tempo.
3. As Duas Formas de Aumentar a Mais-Valia
Marx descreve duas maneiras principais pelas quais os capitalistas podem aumentar a quantidade de mais-valia extraída:
Como funciona: Aumentando a jornada de trabalho sem aumentar o salário.
Exemplo: No nosso exemplo, se a jornada for estendida de 8 para 10 horas, o trabalho necessário continua sendo 4 horas, mas o trabalho excedente salta para 6 horas. A mais-valia aumenta de R$ 80,00 para R$ 120,00.
Limite: Há um limite físico e social (fadiga, revoltas, legislação trabalhista).
Como funciona: Reduzindo o tempo de trabalho necessário.
Isso é alcançado pelo aumento da produtividade (máquinas, linhas de montagem, organização científica do trabalho). Se a produtividade aumenta, o trabalhador produz o valor equivalente ao seu salário em menos tempo.
Exemplo: Com novas máquinas, o trabalhador pode produzir os R$ 80,00 do seu salário em apenas 2 horas em vez de 4. Agora, em uma jornada de 8 horas, o trabalho excedente (e a mais-valia) salta para 6 horas (R$ 120,00) sem precisar aumentar a jornada.
É a forma predominante no capitalismo maduro.
4. A Destinação da Mais-Valia: Lucro, Juro e Renda
A mais-valia não é sinônimo de "lucro" no sentido contábil imediato, mas é a fonte última de toda a renda não trabalhista na sociedade capitalista. Ela se divide em:
Lucro Industrial: A parte que fica com o capitalista que é dono da fábrica.
Juro: A parte paga aos bancos pelos empréstimos.
Renda da Terra: A parte paga aos proprietários de terras (aluguel).
5. Conclusão: A Importância do Conceito
A teoria da mais-valia é revolucionária porque:
1. Desnaturaliza o Lucro: Mostra que o lucro não é uma característica natural do mercado ou uma recompensa pela "espera" ou "risco" do capitalista, mas o resultado de uma relação social de exploração.
2. Revela a Base da Luta de Classes: O interesse do capitalista é aumentar a mais-valia (baixando salários, aumentando a jornada ou a produtividade). O interesse do trabalhador é reduzir a exploração (aumentando salários, reduzindo a jornada). Esse conflito de interesses é inerente e insolúvel dentro do sistema.
3. É a Chave para a Crítica do Capitalismo: Ao identificar a exploração na própria origem da acumulação de capital, Marx fornece a base teórica para argumentar que o capitalismo é um sistema intrinsecamente injusto e que contém as sementes de sua própria crise.
Em resumo, a mais-valia é a quantificação da exploração do trabalho pelo capital. É a demonstração de que a riqueza da classe capitalista é produzida, em última instância, pela classe trabalhadora.
Sumário de Leitura Recomendada
Uma primeira introdução: Marx, "Salário, Preço e Lucro" (Cap. XI), Obra curta e de linguagem mais direta.
O estudo sistemático e completo: Marx, "O Capital", Livro I (Cap. 4-9): A fonte primária e definitiva.
Uma síntese brilhante: Engels, "Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico": Explica o lugar da mais-valia no marxismo.
Um guia de leitura moderno: David Harvey, "A Companion to Marx's Capital": Ajuda a decifrar a complexidade de O Capital.
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